quinta-feira, 14 de abril de 2011

A capacidade de ser anticonvencional


Entendida a liberdade como agradável estado de espírito derivado de uma coerência a maior possível entre idéias e atitudes, deveríamos tentar entender agora por que tal postura diante da vida é tão rara. E a primeira coisa que gostaria de assinalar é a seguinte: num período como o que estamos vivendo, o primeiro obstáculo à liberdade é a existência de uma enorme confusão no mundo das idéias; parece ser muito incomum que alguém tenha idéias definidas e claras, de modo que nessas condições sua conduta deveria refletir suas contradições internas; ou então o indivíduo se mantém em uma dada direção – apesar da contradição interna – até que clareiem melhor suas idéias.
Este aspecto é, a meu ver, secundário para a questão da liberdade; o básico é o temor do desafeto e das represálias em geral, ao qual está sujeito o indivíduo que não se comporta conforme os padrões usuais e tidos como aceitáveis. Estruturas sociais repressivas – e creio que são tanto mais repressivas quanto mais sofisticados os agrupamentos sociais – agem sobre cada indivíduo tal que o não comportar-se conforme as expectativas aparece sob a forma de não dispor dos meios materiais de sobrevivência em virtude de não encontrar trabalho. Comportamentos não convencionais determinam também a possibilidade de o indivíduo não ser amado, sendo esta uma das sanções quase que insuportáveis para os homens.
Assim, para sermos amados por nossos pais, colegas e parentes, teremos de agir de modo que não ofenda suas maneiras de ser e de pensar – sim, porque cada um toma a si como um modelo de perfeição a ser proposto especialmente para os filhos, apesar de que a própria pessoa pode se sentir brutalmente infeliz e insatisfeita. As represálias sociais são de tipo análogo: o indivíduo que não se comporta conforme o usual é rejeitado e desprezado; não poderá continuar a se sentir parte integrante daquela coletividade, além de ser punido em suas pretensões de ordem material.
De outra forma, pode se dizer que a liberdade se confunde com a capacidade de uma pessoa de prescindir do amor das outras. O medo da liberdade, presente em todos nós, não é infundado, pois em sociedades como a nossa cada um funciona como repressor dos outros, de tal forma que a liberdade confunde-se com desafetos e solidão.
Uma pessoa será, portanto, tanto mais livre quanto menos interessada e preocupada estiver com a opinião e, portanto, o afeto – das outras. Terá que estar suficientemente forte para suportar as represálias de todo tipo, mas principalmente a sensação de desamparo na medida que uma pessoa se perde de suas convicções – o que significa afastar-se da agradável sensação de liberdade – por temor das represálias, tenta recuperar algum tipo de prazer exibicionista através da busca de destaque social dentro das regras do jogo existente. E, ao perseguir tal objetivo – do qual já não está plenamente convencida –, tenderá a se afastar cada vez mais de suas idéias e pensamentos iniciais, de tal maneira que a sensação íntima é cada vez mais desagradável e insatisfatória; e isto será verdadeiro mesmo para aquelas criaturas que sucederem plenamente nesta busca de destaque social. Serão admiradas e invejadas pela grande maioria dos seus contemporâneos, porém se sentirão profundamente infelizes e frustradas; e mais profundamente solitárias, apesar de terem feito tais concessões para evitar essa dolorosa sensação.

Flávio Gikovate

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