sábado, 29 de setembro de 2012

Sou católico, apostólico, baiano

Sou devoto de Santo Antônio e de Nossa Senhora do Carmo. Entrei no candomblé, tardiamente, aos 20 e tantos anos, pelas mãos de Luiza Olivetto e Lícia Fabio, que me pediram para ajudar nas obras de restauração do telhado do Terreiro do Gantois.

Fui consertar o telhado do Gantois e o Gantois consertou minha vida. O candomblé não é uma religião. É um culto. Culto aos antepassados, às forças da natureza.

O candomblé é moderno. Ele já era ecológico antes que a ecologia entrasse em voga. Ele é avançado. Não exclui opções sexuais. Ao contrário, acolhe.

Os deuses do candomblé têm ira, inveja e raiva. Xangô é colérico. Oxum é ciumenta e chorosa. Ogum tem o pavio curto.

A religião católica quer que os homens sejam deuses. No candomblé, são os deuses que baixam nos homens.

Não é muito chique ser do candomblé.

Pelo menos na parte do país em que eu vivo. Como toda cultura vinda dos vencidos, é visto como desvio, coisa de gente desajustada ou de artista.

E confesso que isso, ao contrário de me afastar dele, sempre me instigou a caminhar contra o vento.

Toda sexta-feira, vejo, aqui e ali, o olhar jocoso com que algumas pessoas me olham vestido de branco.

Neste momento, sou judeu. Adoro como os judeus se afirmam pelo mundo usando suas barbas, seus quipás e seus casacos longos, onde convêm e onde não convêm.

Aliás, como estudante bissexto de cabala, vejo constantemente as similaridades entre procedimentos do candomblé e do judaísmo. Eles também se preocupam com olho gordo, eles também passam frango no corpo, eles também se banham em sal grosso. Enfim, há muitas similaridades entre o candomblé e a cultura judaica.

O candomblé é, e isso precisa ficar bem claro, o culto do bem. Tantas vezes confundido com feitiço. Ele é magia. As grandes mães-de-santo da Bahia se dedicavam sempre ao bem e à luz.

Se, aqui e ali, alguém usou esses poderes santos para o mal, é descaminho. E contra ele a força deve ter se voltado com certeza. O catolicismo não pode ser julgado a partir de padres pedófilos. E o candomblé não pode ser julgado a partir de pais-de-santo picaretas que ficam se exibindo na TV ou fazendo macumbas perversas.

Tenho certeza de que na hora em que o Santo Padre pisar no Brasil, todas as mães-de-santo do país e seus filhos e filhas estarão rezando e saudando sua Santidade.

Ainda que a igreja não tenha sido nem seja tão generosa com o candomblé. Mas o candomblé não está nem aí. Queira Roma ou não, na Bahia, igrejas e terreiros convivem e se abraçam. E isso é mágico.

E candomblé é magia. Aquela energia que a gente sente na Bahia vem dele. Aquela comida vem dele. Aquela música, aquela batida vem dele. Aquela sensualidade e aquela pimenta vêm dele.

Sua Santidade, por ser padre e por ser alemão, talvez não tenha o mesmo jogo de cintura para assimilar tudo isso.

Mas meus olhos e meu coração não podem negar o bem que mãe Cleusa me fez. O bem que mãe Stella me faz. Coisas inexplicáveis que eu não entendi. Mas presenciei.

E não se pode negar o bem e as coisas mágicas que elas fazem pelos pobres. O candomblé sempre foi e continua pobre.

Não tem catedrais, nem TVs, nem rádios. Não faz coleta de dinheiro. Ao contrário, as grandes mães-de-santo doam. Ao invés de lucrarem, vivem modestissimamente. E vivem consumidas dia e noite por todos aqueles que as procuram por um amor, pelo sossego perdido, pela paz nunca encontrada, pela esperança de cura ou de um amanhã melhor.

Vi mãe Cleusa, minha linda mãe do Gantois, morrer muito cedo, estressada por sua luta e sua dedicação à causa de sua mãe. Causa que hoje mãe Carmem, irmã da falecida, conduz com garbo, doçura e carinho.

Vejo mãe Stella, a maior mãe de santo do Brasil e a mãe de santo que eu escolhi, do alto dos seus 80 anos, consumir seus dias a dar ao povo pobre da Bahia, luz e esperança a setores da sociedade onde geralmente a luz e esperança não chegam.

Mãe Estela vive franciscanamente. Nunca fez voto de pobreza. Porque os pobres não precisam desse voto já que já são pobres.

O candomblé foi perseguido no passado pela polícia. Hoje é perseguido pelas igrejas evangélicas. Que escolheram o candomblé como bode expiatório num marketing infame.

E batem dia e noite no candomblé. Diante do silêncio lamentável de todos nós.

Bisneto de preto, neto de pobres, filho da Bahia, de mãe Cleusa e mãe Stella, teimosamente digo não a essa perseguição implacável. E defendo nosso direito democrático de acreditar na força do trovão, dos mares, do vento e da chuva.

Pode ser primário, mas é lindo. Quer coisa mais bonita do que acreditar que os deuses podem baixar entre os homens em lugares tão pobres onde nem a saúde, a educação e polícia se interessam em ir?

Por isso saúdo sua Santidade e peço a Xangô e a Oxum que guiem seus caminhos para que ele possa ser uma grande mãe ao longo de seu papado.

Que, além de encíclicas e regras, ele nos dê colo e carinho, porque o que o mundo mais precisa é de colo e carinho. Que ele seja o carinho da gente, a estrela mais linda. Que ele seja uma espécie de mãe Menininha global.

Porque, ao fazer isso, ele honrará o trono de Pedro e terá cumprido, no fim de seu papado, seu papel no tempo e na história.

Nizan Guanaes, 48, é publicitário e presidente da Africa Propaganda

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