terça-feira, 15 de novembro de 2011

Será que é preciso amar a si mesmo antes de amar aos outros?


Sempre me surpreendo ao ouvir as pessoas falarem, com convicção, frases conhecidas, tidas como verdades, sobre as quais pouco refletiram. Elas correspondem às crenças, pontos de vista que herdamos daqueles que nos antecederam. Temos o dever de repensar tudo, uma vez que novos conhecimentos podem criar maneiras mais sofisticadas de encarar os temas que tanto nos interessam.

Esta é uma destas frases: “se eu não conseguir me amar primeiro, não serei capaz de amar ninguém”. Isso é dito e pensado a propósito da possibilidade de estabelecermos um relacionamento íntimo, estável e de boa qualidade. Não se está falando em termos genéricos, de modo que ela não está diretamente ligada ao ditame bíblico de que devemos “amar ao próximo como a nós mesmos”.

O “próximo” do texto bíblico é qualquer pessoa com a qual estabelecemos algum tipo de relação e não aquele ser especial com quem queremos estabelecer um relacionamento íntimo, de preferência estável e definitivo. Além disso, penso que a idéia religiosa diz respeito ao tratamento e aos direitos, ou seja, de que devemos considerar os outros como portadores de direitos iguais àqueles que atribuímos a nós.

A forma como tenho pensado acerca do amor não nos permite falar em amor por si mesmo. Isso porque ele acontece sempre em condições interpessoais. O amor corresponde ao sentimento que temos por aquela pessoa cuja presença provoca em nós a adorável sensação de paz e aconchego. A primeira manifestação desse sentimento corresponde ao que acontece entre mãe e filho, talvez ainda durante a vida intra-uterina, mas, certamente, a partir do nascimento: a criança, desamparada e ameaçada por desconfortos de todo o tipo, se sente bem e aconchegada pela presença física da mãe e a ama; esta, por sua vez, sente enorme prazer em estar com seu bebê no colo e sente por ele enorme amor justamente porque ela também se sente aconchegada por ele.

O primeiro sentimento interpessoal é o de amor. É claro que a criança, frustrada pela ausência da mãe, também pode ficar revoltada e chorar muito por se sentir abandonada. Talvez o segundo sentimento seja mesmo de raiva, que também é interpessoal (depende de um agressor externo). À medida que os meses se passam e a criança vai se diferenciando, ela passa a pesquisar o mundo que a cerca, inclusive a si mesma. Ao tocar certas partes do seu corpo, experimenta uma sensação muito agradável de excitação. Trata-se de excitação sexual, esta sim pessoal e auto-erótica.

Quando se pensa no sexo e amor como parte do mesmo processo, o que não é o meu ponto de vista, pode-se pensar que exista algum tipo de afeição da criança (e depois do adulto) por si mesmo. Acontece que com a separação entre esses dois fenômenos (sendo fato que o amor acontece antes do sexo), podemos pensar no sexo como um fenômeno pessoal, mas não no amor como tal. Assim, existe auto-erotismo, mas não existe amor por si mesmo: o amor pede objeto e o primeiro objeto é nossa mãe.

Estas considerações são de natureza mais teórica. Vamos agora à prática, na qual constatamos que a grande maioria das pessoas não tem um bom juízo de si mesma. Isso significa que elas não têm boa auto-estima, o que costuma ser tratado como sinônimo de ausência de amor por si mesmas. Estima é uma palavra que pode estar associada a amor, mas também significa valor; penso mais neste segundo aspecto, de modo que baixa auto-estima significa que não estou satisfeito com o meu jeito de ser. Eu sou o juiz e também aquele que é avaliado, no caso, de forma negativa. Se isso, de fato, implicar em incapacidade para amar, podemos afirmar que o amor não existe!

O que acontece não é nada disso. Aquele que tem de si um juízo negativo costuma se interessar por alguém que seja o seu oposto. Isso sim é a regra do que acontece na realidade: nos encantamos pelos que são o oposto de nós, já que não gostamos nem um pouco do nosso jeito de ser. As pessoas que acompanham meu trabalho sabem que considero este tipo de aliança um tanto precária e, hoje em dia, com tendência a uma vida curta.

Podemos dizer que quem não tem boa auto-estima (expressão melhor do que “aquele que não se ama”) tende a amar seu oposto. A qualidade deste tipo de relacionamento é muito duvidosa, de modo que, nesse sentido, podemos dizer que aqueles que têm uma boa auto-estima (expressão que substitui, com vantagens, “aquele que se ama”) tendem a estabelecer relacionamentos amorosos muito melhores encaixados e bastante mais gratificantes.

Ao pensarmos por esta ótica e se considerarmos como amor apenas este segundo tipo de relacionamento, entre pessoas de temperamento e caráter afins, podemos dizer que ele depende vitalmente de uma boa auto-estima. Como ela é rara, também serão raros os relacionamentos amorosos. Acontece que não me parece razoável pensar assim, já que os relacionamentos entre opostos também implicam em aconchego e intimidade – apesar dos problemas, conflitos, ciúmes e brigas de todos os tipos. Assim, só poderíamos mesmo é afirmar que para sermos muito felizes no amor temos antes que nos entender conosco mesmos. Talvez seja essencial um avanço na capacidade de ficar bem consigo mesmo, de correção daqueles aspectos que não gostamos em nós e do atingimento de um estado de conciliação com nossa forma de ser para que possamos estar verdadeiramente prontos para um relacionamento amoroso no qual as delícias do aconchego possam nos satisfazer plenamente.

Flávio Gikovate

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